Muitas vezes aceitamos certas informações como verdades absolutas sem questionarmos como se chegou a essas conclusões. Muitas teorias do âmbito educativo são amplamente aceites, tanto por pais como educadores, apesar de a sua veracidade já ter sido desafiada ou até mesmo refutada. Se queremos promover o sucesso académico e o desenvolvimento pessoal dos educandos, é fundamental que todas as teorias e práticas educativas sejam validadas através dum processo científico rigoroso.
Neste artigo, analisamos 3 teorias amplamente aceites pela sociedade, mas que carecem de provas científicas robustas para serem consideradas boas práticas educativas. Ao questionar essas teorias e fornecer alternativas cientificamente comprovadas, esperamos contribuir para um diálogo mais crítico e fundamentado sobre a educação.
O mito dos 3 primeiros anos
Um dos mitos educativos mais comuns é o dos primeiros três anos. Esta teoria afirma que o desenvolvimento cognitivo da criança é determinado quase integralmente pelos seus primeiros três anos de vida e que, caso não seja estimulada adequadamente durante este período, o seu desenvolvimento pode ficar comprometido irreversivelmente. Isto pode levar os pais a pensar que têm de “investir tudo” nos primeiros anos de vida dos seus filhos.
É verdade que é durante os primeiros três anos de vida que os neurónios e ligações sinápticas (ligações entre neurónios) se multiplicam. No entanto, esta multiplicação ocorre de forma natural, de forma inata. Necessita do ambiente para ocorrer, mas não de um ambiente de superestimulação. Num ambiente normal, onde existe uma quantidade mínima de estímulos, o desenvolvimento cognitivo irá decorrer de forma natural.
Esta teoria ganhou popularidade na sequência de uma experiência realizada com ratos. Os ratos que se encontravam numa caixa com túneis e rodas apresentavam melhor desenvolvimento do que aqueles que tinham sido colocados numa caixa escura. O problema desta experiência é que não é possível concluir que um aumento de estímulos numa fase inicial leva a uma vantagem cognitiva em relação a um ambiente com uma quantidade normal de estímulos. Tudo o que esta experiência demonstrou foi que existe uma diferença entre um ambiente estimulante e uma carência drástica de estímulos, mas não se pode concluir que mais é melhor. As crianças não vivem em caixas escuras.
É importante lembrar que o desenvolvimento cognitivo é um processo contínuo e que a criança irá continuar a aprender e a crescer ao longo da vida, não apenas nos primeiros três anos. É necessário um equilíbrio saudável entre estimulação e descanso para que a criança possa desenvolver-se de forma plena e saudável.
O mito do enriquecimento
Outra teoria bastante difundida, e que está relacionada com o mito anterior, é a do enriquecimento. Esta teoria sugere que é necessário enriquecer o ambiente em que a criança se encontra para promover o seu desenvolvimento cognitivo e intelectual. Isto pode incluir oferecer brinquedos mais complexos, atividades extracurriculares e aulas especializadas em diferentes áreas, como música, dança, artes e ciências.
O problema com esta abordagem é que assume que, na infância, existe um período crítico (janela temporal que não se repete) durante o qual o cérebro das crianças é maleável e está receptivo a desenvolver diversas capacidades. Segundo a teoria, depois deste período crítico, é praticamente impossível uma pessoa adquirir alguns tipos de competências.
Este conceito tem sido alvo de debate e investigação, havendo muitos especialistas a defender que, em vez do período crítico, existe sim um período sensível, durante o qual é mais fácil e eficaz adquirir certas competências, embora seja ainda possível desenvolvê-las mais tarde ao longo da vida – como é o caso da aprendizagem de uma segunda língua.
A teoria do enriquecimento pode ser perigosa para as crianças, especialmente quando levada ao extremo. Muitos pais e professores acreditam que é necessário sobrecarregar os jovens com uma quantidade excessiva de atividades e estímulos para promover o seu desenvolvimento. Tal pode levar a uma pressão excessiva, aumentando o risco de stress, ansiedade e problemas emocionais.
Além disso, a teoria do enriquecimento é muitas vezes baseada em premissas erróneas sobre o desenvolvimento infantil. Por exemplo, muitos acreditam que a exposição precoce a atividades académicas fará com que a criança tenha “vantagem” sobre as outras. No entanto, a pesquisa sugere que, nas fases iniciais do desenvolvimento da criança, a brincadeira não estruturada, o contacto com a natureza e as relações sociais saudáveis são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.
As múltiplas inteligências
A teoria das múltiplas inteligências, proposta por Howard Gardner em 1983, é outro mito que é aceite amplamente, tanto por professores como por pais. Esta teoria sugere que a visão tradicional da inteligência (inteligência psicométrica), medida através do popular teste do coeficiente intelectual, é demasiado limitada e não tem em consideração todas as dimensões duma pessoa.
De acordo com Gardner, existem oito tipos de inteligência:
- Linguística
- Lógico-matemática
- Espacial
- Musical
- Corporal-cinestésica
- Interpessoal
- Intrapessoal
- Naturalista
Apesar de muitas pessoas aceitarem esta teoria como correta, a mesma apresenta algumas falhas. Uma das principais críticas é a falta de provas empíricas que corroborem a existência de oito tipos diferentes de inteligência, bem como a impossibilidade de medir estas inteligências, visto que não existem testes padronizados e cientificamente validados. Grande parte da pesquisa realizada por Gardner foi documentada através de observações casuais e experiências pessoais. Esses fatores sugerem que a teoria não é viável e carece de validade científica.
Um dos críticos mais proeminentes desta teoria é o psicólogo e investigador educativo Daniel Willingham. No livro “Por que os alunos não gostam da escola?”, Willingham afirma que a teoria das múltiplas inteligências não é baseada em nenhuma prova empírica válida e não é consistente com o que sabemos sobre o cérebro humano e o desenvolvimento cognitivo.
Além disso, alguns investigadores argumentam que as categorias de inteligência elaboradas por Gardner são demasiado abrangentes e não são uma representação fiel da sua complexidade e natureza multifacetada. Por exemplo, as categorias “interpessoal” e “intrapessoal” são muito ambíguas e sobrepõem-se, enquanto que a “naturalista” é demasiado específica.
Outra crítica direcionada a esta teoria é que a mesma pode limitar as crianças desde uma idade muito precoce. Por exemplo, se alguém diz que o filho tem baixa inteligência lógico-matemática, tal poderá levá-lo a pensar que não tem aptidão para essa área e desmotivá-lo a aprender mais sobre o tema. Embora seja verdade que todas as pessoas têm pontos fortes e fracos, é importante que as crianças sejam expostas, desde cedo, a uma ampla variedade de conhecimentos, em vez de serem direcionadas apenas para as áreas em que são consideradas “inteligentes”.
Em vez de se concentrarem em competências ou traços específicos, é importante que os pais e educadores reconheçam que a inteligência é maleável e que todas as suas componentes podem ser desenvolvidas com prática e esforço.